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Ruth Rocha e o amor pela escrita

 

Escrever é muito mais do que o ato de contar histórias. Antes, é a oportunidade de traduzir, em palavras, as emoções e os sentimentos, e desta forma transportar o leitor para um mundo de conhecimento. O autor Carlos Drummond de Andrade definiu e revelou o grande amor e a dedicação dos escritores para com suas obras. “Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira.”

 

Como forma de homenagear os escritores do Brasil, no Dia do Escritor, comemorado em 25 de julho, a Santillana Brasil entrevistou a autora Ruth Rocha, que contou aspectos de sua trajetória e sobre a importância dos livros para sua carreira de escritora.

 

 

  • Santillana Brasil: De que forma a literatura passou a fazer parte da sua vida?

 

Ruth Rocha: Eu costumo brincar, dizendo que a literatura entrou em minha vida pelo caminho mais efetivo: o afetivo. Pois, desde muito pequena, acostumei-me a ouvir minha mãe contando ou lendo histórias: dos contos clássicos a Monteiro Lobato. Um de meus livros prediletos era Reinações de Narizinho; a irreverência da Emília também me encantava, e influenciou muito meu jeito de ser e meu trabalho de escritora.

 

Tinha também – e talvez principalmente – meu avô Ioiô, que sabia uma porção de histórias folclóricas: a do macaco que perdeu o rabo, a da boneca de piche, e muitas outras dos irmãos Grimm, de Andersen ou de As Mil e uma Noites.

 

O engraçado era que as histórias que ele contava eram sempre ambientadas na Bahia, de onde ele viera e que eram repletas de nomes de lugares engraçados, como “Caixaprego”. Ou que terminavam em festas cheias de doces bem brasileiros, como “papos-de-anjo”, “amor aos pedaços”, “alfenins”, que ele, por acidente, tinha deixado cair na “Ladeira do Escorrega”. Ou com musiquinhas que ninguém sabia se eram aprendidas ou inventadas por ele mesmo.

 

Conto tudo isso porque a literatura, seja ela oral ou escrita, fazia parte de minha vida naturalmente, era algo muito familiar para mim, e é assim que os livros deveriam entrar na vida de todas as crianças: com alegria, emoção e afeto.

 

 

  • Santillana Brasil: Qual a importância do livro na formação das crianças?

 

Ruth Rocha: A importância está no que disse acima: em mostrar tudo o que um livro pode significar na vida das pessoas. A emoção, o estímulo para sonhar, a empatia para com os sentimentos dos outros...

 

As campanhas de valorização da leitura são muito importantes para aproximar as crianças dos livros e apresentá-los como um objeto a ser valorizado. Quem costuma dar livros de presente? Quantas famílias têm bibliotecas em casa ou, não tendo, incentiva seus filhos a frequentarem as bibliotecas públicas? Para as crianças brasileiras enxergarem nos livros companheiros para toda a vida, é preciso que toda a sociedade demonstre claramente como os valoriza.

 

E também é preciso oferecer a elas leituras de qualidade. Dia 18 de abril é o dia de nascimento de Monteiro Lobato, um grande defensor de uma literatura inteligente, bem-humorada, criada especialmente para as crianças. Ele disse uma vez que queria escrever livros onde as crianças quisessem “morar”.  “Morar” no universo criado por um escritor é uma experiência inesquecível. É preciso proporcionar a todas as crianças essa oportunidade.

 

 

  • Santillana Brasil: De que forma a “menina que devorava livros virou a escritora que aprendeu a voar”? Você acredita que os livros têm esse poder de levar o leitor para outras dimensões e permitir-lhe descobrir novos “mundos”?

 

Ruth Rocha: Sem dúvida nenhuma. Minha trajetória como leitora é uma prova disso. Quando eu era ainda adolescente, descobri a Biblioteca Circulante no centro da cidade de São Paulo. Resolvi que ia ler todos os livros. Estante por estante. De A a Z.

 

Alguns anos depois, já na época do ginásio, um professor me pediu um trabalho sobre o livro A Cidade e as Serras, e eu me apaixonei de vez pela Literatura.

 

Esse encontro (ou, melhor, essa “trombada”) com A Cidade e as Serras foi decisivo para que eu me tornasse uma leitora para o resto da vida e, também, uma escritora. Um escritor me levou a outro: Fernando Pessoa, Monteiro Lobato, Manuel Bandeira e, mais tarde, Guimarães Rosa. Cada um me influenciou de uma maneira.

 

Depois, formei-me em Ciências Sociais, na Escola de Sociologia e Política, também em São Paulo, casei-me e fui trabalhar como orientadora educacional no colégio Rio Branco. Quando estava nesse cargo, um dia apareceu Carlos Alberto Fernandes, que dirigia a revista Cláudia, e me fez uma proposta: escrever artigos sobre educação. Eu aceitei.

 

Logo fui convidada a criar as brincadeiras de uma revista nova para crianças, que ia se chamar Recreio. A Recreio transformou-se num marco em minha vida, porque me lançou como escritora.

 

A primeira história que escrevi foi feita de um jeito engraçado. Sônia Robatto, diretora da revista, de brincadeira, trancou-me em uma sala e disse: “Só sai daí com uma história pronta”.

 

Foi assim que nasceu Romeu e Julieta, história cujos personagens principais são um “borboleto” azul, chamado Romeu, e uma borboleta amarela, chamada Julieta, que enfrentam os preconceitos e tornam-se amigos, em um reino onde todos os jardins eram divididos pela cor. Mas meu primeiro livro só foi publicado em 1976: Palavras Muitas Palavras...

 

A gente faz a profissão e a profissão faz a gente. Durante a década de 1970, minha vocação como escritora foi se realizando cada vez mais, até que um dia... escrevi  A Menina que Aprendeu a Voar, respirei fundo, deixei de ser editora e fui viver (e voar) só de literatura.